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O barulho e perturbação da ordem, certamente, é o maior responsável por desentendimentos entre vizinhos nos condomínios.
É bastante comum a presença de vizinhos com comportamentos antissociais que não se preocupam em preservar ou não o espaço pessoal de seu vizinho, e seu direito ao sossego.
Ao contrário do que se esperava, dada as medidas restritivas impostas pela pandemia COVID-19 está cada vez mais comum a realização de grandes festas privadas em condomínios, som alto e perturbações até alta madrugada sem qualquer respeito e consideração aos vizinhos.
Ao contrário do simplório ditado popular “Os incomodados que se mudem”, o ordenamento jurídico brasileiro tutela o sossego e a paz pública como bens jurídicos invioláveis, tais como a intimidade, a vida privada e a honra.
O que fazer na situação de perturbação ao sossego?
A imediata medida em situação de perturbação de sossego, é o acionamento da Polícia Militar, para que os agentes policiais diligenciem ao local do fato, façam cessar a perturbação, e conduzam os autores à Delegacia de Polícia (artigo 301 do CPP c. C).
Ademais, há diversas outras providências que podem ser tomadas, nas esferas criminal, cível e administrativa:
– Da Repercussão Criminal
A perturbação de sossego, como é cediço, cuida-se de conduta penalmente típica, insculpida no artigo 42 do Decreto-Lei n. 3.688/41 (“Lei das Contravenções Penais” – LCP). O preceito primário do aludido artigo tipifica:
Art. 42. Perturbar algu[é]m o trabalho ou o sossego alheios:
I – com gritaria ou algazarra;
II – exercendo profissão incômoda ou ruidosa, em desacordo com as prescrições legais;
III – abusando de instrumentos sonoros ou sinais acústicos;
IV – provocando ou não procurando impedir barulho produzido por animal de que tem a guarda:
Se caracterizada a conduta típica e presentes os demais elementos analíticos do delito (ilicitude e culpabilidade), o infrator sujeita-se às penas por perturbação a ordem punidas por:
Pena – prisão simples, de quinze dias a três meses, ou multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis.
Portanto, diante de um caso de perturbação de sossego, a primeira medida que se recomenda ao ofendido é o necessário acionamento da Polícia Militar, para que os agentes policiais diligenciem ao local do fato, façam cessar a perturbação, e conduzam os autores à Delegacia de Polícia (artigo 301 do CPP c. C. Artigo 69 da Lei n. 9.099/95), ou, conforme o caso, colham os dados deles para lavratura do pertinente boletim de ocorrência, para providências posteriores.
Se regularmente conduzidos à Delegacia de Polícia, a Autoridade Policial (Delegado de Polícia) deverá lavrar o Termo Circunstanciado de Ocorrência, e apresentar os autores imediatamente ao Juizado Especial Criminal (JECRIM), na forma do artigo 69 da Lei n. 9.099/95. Não sendo possível o imediato encaminhamento (o que geralmente acontece), designar-se-á audiência preliminar, à qual o autor do fato deve comprometer-se a comparecer, para que não se lhe imponha prisão em flagrante (artigo 69, parágrafo único, da Lei n. 9.099/95).
Caso os agentes policiais não conduzam os autores da perturbação à Delegacia de Polícia (o que geralmente acontece), caberá ao ofendido apresentar notitia criminis ao Delegado (artigo 5º, inciso II, do CPP c. C. Artigo 69 da Lei n. 9.099/95), preferencialmente instruída com o boletim de ocorrência e todas as provas que possuir, capazes de demonstrar a justa causa (prova da materialidade e indícios suficientes da autoria delitiva), requerendo a instauração tardia do TCO. Nesse caso, o delegado determinará a intimação dos autores, para que lá compareçam e assinem o Termo de Compromisso de Comparecimento (TCC) à audiência preliminar que deverá ser designada.
Posteriormente, na audiência preliminar, é possível a composição civil dos danos. Se frustrada, o Ministério Público poderá propor aplicação imediata de pena restritiva de direitos ou multa, a título de transação penal (artigo 76 da Lei n. 9.099/95). Caso os autores não mereçam tal benefício (artigo 76, § 2.º, da Lei n. 9.099/95), seguir-se-á o oferecimento de denúncia, com ou sem oferta do benefício de suspensão condicional do processo; e, se não suspenso, os demais atos processuais até a final condenação ou absolvição dos infratores.
É importante lembrar que, na hipótese de condenação, além da pena privativa de liberdade, que pode ou não ser substituída por pena restritiva de direitos, o Juiz Criminal prolator deverá fixar um valor mínimo para reparação dos danos (artigo 387, inciso IV, do CPP), que poderá ser executada, inclusive como exceção à impenhorabilidade do bem de família, por se tratar de sentença criminal (artigo 3º, inciso VI, da Lei n. 8.009/90).
Cabe lembrar que o condômino “barulhento”, alem das sanções criminais, pode ser penalizado com as multas previstas na convenção de condomínio, regulamento interno e nos artigos 1.336 §2º e 1.337 do Código Civil.
– Dos aspectos civis
Caso o ofendido não tenha interesse em sujeitar o autor da perturbação a uma sanção criminal; ou mesmo simultaneamente às medidas criminais, é possível adotar medidas civis contra ele, com a finalidade de se reparar os dados sofridos, e prevenir novas ocorrências.
Isso porque a perturbação de sossego viola os direitos individuais fundamentais à intimidade, à vida privada e à honra, bem como a dignidade da pessoa humana prejudicada. Além disso, a ilicitude do ato de perturbação é evidente, eis que incriminado pela norma lógico-proibitiva do artigo 42 da LCP, como já analisado.
Os sobreditos direitos fundamentais, conferidos a todos pelo artigo 5º, inciso X, da Constituição da República, são assegurados por meio da indenização constitucionalmente prevista para a hipótese de violação (garantia fundamental), na parte final do mesmo inciso.
Ademais, tendo em vista os princípios da fragmentariedade e da ultima ratio do Direito Penal, é certo que se um fato é penalmente relevante, ainda mais relevância tem na seara cível, já que o Direito Penal somente deve ocupar-se com as mais graves violações, entre as quais está inclusa a perturbação do trabalho ou do sossego alheios (artigo 42 da LCP).
No compasso, em nível infraconstitucional, o artigo 927 do Código Civil é incisivo ao determinar a obrigação de indenizar. Ipsis litteris:
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
O ato ilícito, nesse contexto, é definido no artigo 186 do Código Civil:
Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Como já explanado, a violação de direito cuida-se, nesse caso, da violação da norma penal lógico-proibitiva do artigo 42 da LCP, e também dos direitos fundamentais positivados no inciso X do artigo 5º da Constituição da República. Dessa forma, é facilmente demonstrável a ilicitude (ou antijuridicidade) do ato de perturbação causado por meio de conduta danosa à moral individual.
Os danos sofridos pelo ofendido, que geralmente são danos morais, devem ser aferidos conforme o caso concreto, considerando-se a intensidade e a duração da perturbação, os efeitos que a perturbação teve sobre o ofendido, a forma como o ofendido sentiu a perturbação, etc.
Conhecida a autoria, é facilmente demonstrável o nexo causal, atribuindo-se o ato ilícito ao autor da perturbação, bem como a autoria dos prejuízos dela decorrentes (o dano). Aqui se evidencia a viabilidade do flagrante policial e a lavratura do boletim de ocorrência, como forma robusta de comprovação documental, sem prejuízo de outros meios idôneos capazes de indicar a identidade do autor.
Suficientemente demonstrados os elementos ensejadores da responsabilidade civil, o quantum indenizatório deverá ser fixado após acurada análise acerca não apenas do dano que será indenizado (reparação), mas de modo que atenda aos três necessários aspectos da indenização, quais sejam, o reparatório (compensação dos danos), o punitivo-pedagógico (vingança ou castigo) e o preventivo (inibidor da reiteração), para que, além de ressarcir, sabendo o preço da perturbação, o autor não a cometa novamente.
Além da indenização, também é possível adotar outras medidas, como pleitear o reconhecimento da obrigação de não fazer, com a fixação de astreintes. Tal medida faz-se muito útil diante de perturbadores contumazes, ou estabelecimentos comerciais, e tem supedâneo na norma lógico-proibitiva do artigo 42 da LCP c. C. Artigo 497 do NCPC.
Por final no caso de conduta continuada do infrator que continua apresentando reiteradamente o comportamento ofensivo e sem possibilidade de resolução é possível ingressar com ação de expulsão do condômino antissocial.
– Dos aspectos administrativos
Em homenagem ao princípio da independência entre as instâncias cível, penal e administrativa, também é possível a responsabilização do perturbador na seara administrativa, por medida do próprio condomínio representado pelo síndico e conselho, sem prejuízo das demais.
Ruídos causados por outros meios geralmente são tratados pela legislação municipal, como o abuso de som em festas, bares, restaurantes, casas noturnas, e até mesmo em determinadas profissões. Nesse caso, inclusive, eventual infração pode ter efeito sobre a licença ou alvará porventura outorgados.
Há sempre que se relembrar outros tipos de poluição como a expelida por chaminés que também pode perturbar a salubridade do ambiente sendo passiveis de ação para cessar o ato lesivo.
Como conclusão a poluição sonora constitui grave infração dos deveres de vizinhança, valendo a máxima de que “todos têm o direito de fazer, ou não fazer, em sua casa o que bem entender, desde que não cause nenhuma perturbação ou dano ao seu vizinho”. Apelar para o bom-senso e civilidade é sempre a melhor saída.
Perturbar o sossego alheio (mediante gritaria, algazarra, abuso de instrumentos musicais, sinais acústicos, dentre outras situações) é inclusive crime, nos moldes do artigo 42 do Decreto-Lei Nº 3.688/41, passível de prisão simples, de 15 (quinze) dias a 3 (três) meses, ou multa conforme tratado acima, além das sanções administrativas e civis de obrigação de fazer, indenizações por danos morais e até mesmo expulsão do condomínio.
Caso tenha problemas de perturbação da ordem e sossego em sua residência ou condomínio busque aconselhamento e auxílio de advogado imobiliário especializado para a tomada das medidas legais.
Artigo escrito por Guilherme Feldmann OAB/SP 254.767, www.feldmann.adv.br